sexta-feira, 10 de maio de 2013

PREFEITO DE UMA CAPITAL NA SOMALIA

10/05/2013-03h20

Mohamoud Nur governa a capital da Somália sob constante risco de atentados

 
DENISE MENCHEN
ENVIADA ESPECIAL A ST. GALLEN (SUÍÇA)
 
Enquanto políticos de todo o mundo investem em campanhas milionárias para se tornarem prefeitos, Mohamoud Ahmed Nur, 58, relutou quando convidado a assumir o cargo em 2010 sem ter que disputar eleições.
O motivo era a cidade que o esperava: Mogadício, a capital da Somália, com cerca de 2,5 milhões de habitantes e devastada por 20 anos de guerra civil.

Saiba mais: Somália vive em guerra civil há mais de 20 anos
"Imagine o Rio de Janeiro sem policiais, sem militares, sem tribunais, sem estradas, sem eletricidade, sem água, sem hospitais e sem escolas. Imaginou? Era exatamente assim que Mogadíscio estava", disse o prefeito à Folha na semana passada, durante simpósio em St. Gallen, na Suíça.
Fora a completa carência de infraestrutura, Mogadício tinha outro problema que tornava o cargo ainda menos atraente: os ataques frequentes de milícias islâmicas e outros grupos radicais que assumiram o controle de boa parte do território somali desde a queda do ditador Mohammed Siad Barre, em 1991.
Divulgação
Nur dá palestra sobre sua vida em seminário na Suíça
Nur dá palestra sobre sua vida em seminário na Suíça
Ainda assim, Nur aceitou o convite do governo transitório do país e retornou à sua cidade natal, pondo fim a quase duas décadas de exílio em Londres. "Eu via imagens horríveis de Mogadício na TV e pensava que tinha que tentar fazer algo. É a cidade onde nasci, fui criado e me eduquei", justifica.
Desde que assumiu o cargo, em meados de 2010, ele se viu obrigado a conviver com ameaças constantes de terroristas. Em 2011, um bomba colocada em seu carro explodiu pouco após ele ter deixado o veículo. Seu motorista ficou ferido.
Hoje ele vive acompanhado de três guarda-costas, anda em carro blindado e dorme com uma pistola sob o travesseiro. "Virei um alvo preferencial. Não quero morrer sem me defender", diz.
De família grande, apenas a mulher e o primogênito voltaram para a Somália. Outros cinco filhos e oito netos permanecem em Londres, para onde Nur mandou os parentes em 1990, devido ao aumento da violência.
"Continuei na Somália porque tinha esperanças de que as coisas pudessem voltar ao normal logo", explica. "Depois de cerca de dois anos, resolvi ir também."
Na capital britânica, Nur formou-se em administração na universidade de Westminster e fundou um centro comunitário para apoiar outros cidadãos somalis que haviam deixado o país.

VOLTA À ROTINA
Agora, uma de suas alegrias é ver o retorno de muitos desses exilados para Mogadício. Nur atribui o fato a uma série de ações implementadas para tentar retomar a rotina interrompida pelos conflitos internos.
Logo depois de assumir, ele fechou um acordo com empresas privadas para recolher o lixo acumulado por anos sem serviço de coleta. Com pouco dinheiro em caixa, ofereceu apenas o combustível para os caminhões.
A iluminação pública, também inexistente, foi aos poucos sendo retomada em mais uma série de parcerias com a iniciativa privada. A segurança foi reforçada e, aos poucos, as lojas passaram a abrir as portas por mais tempo.
"Hoje as pessoas ficam até tarde nas ruas, a cidade tem vida à noite", comemora. "Antes os mercados fechavam às três da tarde."
Outra medida adotada foi reinstituir a cobrança de impostos das empresas, interrompida por anos. "Mogadício era o maior exemplo de livre comércio do mundo", diz, bem-humorado, apesar dos problemas que persistem.
Os atentados terroristas ainda são a principal ameaça ao retorno à vida normal em Mogadício. Para derrotá-los, Nur diz que só as forças de segurança não bastam.
"Temos que criar trabalho. Se houver perspectiva de vida, quem vai querer morrer e matar? Os líderes das milícias têm sua própria agenda, mas não são eles que cometem os atentados suicidas. Se os jovens tiverem oportunidades, não vão ser cooptados pelo terrorismo", diz.

A jornalista DENISE MENCHEN viajou a convite da Universidade de St. Gallen

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