quinta-feira, 13 de março de 2008

Universidade Para Negros Forma Primeira Turma Em São Paulo.
















REITOR DR. JOSÉ VICENTE - UNIPALMARES


13/03/2008 - 06h00
Da redação
Em São Paulo

O que você acha de uma universidade para negros?Primeira instituição de ensino superior para afrodescendentes da América do Sul, a Unipalmares (Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares) forma sua primeira turma na noite desta quinta-feira (13), em São Paulo.

Aluna de administração Simone Cunha assiste aula na Zumbi dos Palmares, em SP
VEJA FOTOS DA UNIVERSIDADENa cerimônia, formam-se 120 dos 200 estudantes que se matricularam no primeiro ano do curso de administração de empresas da universidade, em 2004. A idéia nasceu de uma iniciativa de estudantes da Escola de Sociologia e Política de São Paulo -dentre eles, o reitor José Vicente. Eles queriam encontrar formas de promover a inclusão do negro na sociedade. A saída encontrada pelo grupo -a educação- resultou num cursinho pré-vestibular, que não "deu certo". O objetivo inicial era que seus alunos fossem aprovados na USP (Universidade de São Paulo), o que não aconteceu. "Constatamos que, para formar aqueles jovens, que estavam muito distantes do conhecimento, levaríamos dez anos", disse o reitor.Partiram, então, para a assistência de jovens que já estavam em instituições privadas, buscando bolsas de estudo e auxílio financeiro na iniciativa privada, resultando no projeto "Mais negros nas universidades". Da ação, surgiu a ONG Afrobrás e, posteriormente, a Unipalmares.A instituição oferece cota de 50% das vagas do vestibular para afrodescendentes e hoje 90% de seus alunos são autodeclarados negros. Como é a universidadeA Unipalmares começou em 2004 com apenas uma graduação -a de administração - e em 2007 ganhou mais uma- a de direito, que conta com 200 alunos. No total, a universidade tem hoje 1.375 estudantes e 29 salas de aula. Entre os professores -26 mestres, 7 doutores, 35 especialistas e 6 graduados-, cerca de 40% são negros.Em 2004, a mensalidade da Unipalmares custava um salário mínimo -R$ 260. Quatro anos depois, o curso de administração custa R$ 295 e o de direito, R$ 300 -menos do que os R$ 415 que foram aprovados como o novo valor do mínimo no último dia 1º de março.O baixo preço dos cursos é resultado das parcerias com diversas empresas, que ajudam a instituição com recursos e com estágios para os estudantes. Além disso, a Alumni, escola de inglês, cuida das aulas do idioma na graduação.O negro é tema transversal na maioria das disciplinas ministradas na instituição. Há quem qualifique a universidade de racista, mas há também quem defenda a iniciativa. "É uma maneira de equilibrar uma situação naturalmente desigual", diz Vicente. Segundo o reitor, o país vive um "apartheid dissimulado" (separação de brancos e negros). "Sabe quantos negros há nos altos escalões do Tribunal de Justiça de São Paulo, do governo e da prefeitura? Nenhum."Além de aumentar o número de cursos, a Unipalmares pensa em ir para outros Estados, como a Bahia, que tem a maior concentração de afrodescendentes do país. No Estado, 15,66% da população é negra, segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2006.De acordo com a pesquisa, apesar de a Bahia ter maior porcentagem de negros entre os Estados do país, São Paulo tem a maior população negra do Brasil em números absolutos. São 2,4 milhões contra 2,2 milhões na Bahia. A capital brasileira com maior número de negros é o Rio de Janeiro, com 1,44 milhão de pessoas, seguida de São Paulo (1,41 milhão) e Salvador (971 mil).
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Racistas, não; apaixonados pelo Brasil

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JOSÉ VICENTEHoje, entregamos a primeira centena de jovens negros formados em administração pela Unipalmares; depois disso, o país estará mudadoNÃO SOMOS RACISTAS! Essa foi a expressão que mais tive de repetir nos últimos cinco anos, para justificar e defender junto a pessoas e instituições, a oportunidade e a necessidade da criação e da consolidação de uma instituição de ensino com o caráter e os fundamentos da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares -fundeada no acesso universal, na excelência do ensino, na promoção da inclusão ao mercado de trabalho, na cultura da tolerância, do diálogo interracial, na valorização da diversidade racial, no resgate da auto-estima e na elevação do protagonismo dos jovens negros. Entendíamos que fazer essa universidade era o pouco que nos restava como forma de sinalizar um novo tempo, um novo caminho, uma nova esperança e uma nova possibilidade frente ao notório e terrível quadro de exclusão que inexoravelmente vitima o negro na sociedade brasileira. "Não existem raças. Discriminação, se houver, é a discriminação social -reflexo do cruel patrimonialismo, do classismo e do autoritarismo estruturantes do caráter nacional-, que atinge todos os pobres invariavelmente. Infelizmente -e curiosamente-, os negros são a sua maioria e, logo, vítimas preferenciais da exclusão. Esse é o motor da discriminação e o responsável por sua não-presença e não-participação na vida social, política, econômica e cultural, na esfera governamental, no ensino superior e no ambiente corporativo. Terminada a pobreza, estará terminada a discriminação. Fora disso, estaremos diante de terrível segregação racial, da difusão do ódio racial, do racismo às avessas, do desejo inconfesso e irresponsável de incendiar o país, transformando-o de multirracial em uma nação de brancos e negros." Contra esses e todos os demais fatalismos e determinismos respondi à exaustão: não somos racistas. Somos brasileiros negros de todas as cores. Republicanos, amantes da justiça e da democracia, comprometidos com a dignidade da pessoa humana. Somos brasileiros negros de todas as classes, intransigentes na defesa da igualdade de oportunidades, da participação democrática e plural de todos na vida nacional. Somos cidadãos que acreditam no aperfeiçoamento das pessoas e instituições, na capacidade de criação, realização e superação de todo ser humano. Somos brasileiros e acreditamos que o melhor país é aquele que seja um bom país para todos. Por isso, preferimos trabalhar, criar e ousar novos caminhos do que permanecer presos pelo pântano. Somos brasileiros que preferem buscar a luz do que subordinar-se à escuridão. Discriminação racial ou discriminação social, o fato é que o país encontra-se cindido, e o negro continua no porão: separado e desigual. Esse é nosso dilema. Continuar de costas para metade de nossa gente jamais permitirá que alcancemos o status de nação. Buscar um novo caminho é imperativo. É nossa obrigação. É manifestação de paixão, de amor pelo Brasil. No dia de hoje, entregamos ao nosso país a primeira centena de jovens negros formados no curso de administração da Unipalmares. Cento e vinte e seis formandos que foram qualificados no uso da língua inglesa e preparados para o mercado de trabalho em programas especiais de trainees do setor bancário. Todos estão empregados -30% deles, efetivados nesses parceiros. Nunca antes, nos seus 508 anos de existência, o Brasil conheceu um acontecimento dessa magnitude. Em nenhuma outra instituição de ensino superior da América Latina encontramos 90% de alunos que se declaram negros ou 40% de professores -doutores, mestres e especialistas- negros no corpo docente. Tudo sem governo, partido, igreja, sindicato ou organismos internacionais. Sociedade civil pura, unindo esforços, superando obstáculos e mudando a história. Nesta noite, quando o senhor presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, patrono dos formandos, entregar o "canudo de papel" a cada um dos 126 bravos formandos, nosso país estará para sempre mudado. Teremos andado 120 anos em 5 e superado a armadilha do imobilismo. Teremos recuperado em cada negro brasileiro a centelha da esperança, a possibilidade da justiça e a certeza de que podemos construir um novo destino. Ao Criador que nos conduziu e permitiu essa graça e a todas as pessoas e instituições que ajudaram nossa esperança a vencer mais este desafio obrigado, muito, muito obrigado.
JOSÉ VICENTE, advogado, sociólogo, mestre em administração e doutorando em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba, é presidente da ONG Afrobras e reitor da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares.Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Unipalmares realiza hoje sua primeira entrega de diplomas
Veja a biografia de Zumbi dos Palmares








NO TUNEL DO TEMPO




MATÉRIA DE 2005.





24/ 11/ 2005 - integração racial

Contra o gargalo do ensino superior
Seminário realizado por STJ e UnB discute o acesso dos negros às universidades.


Hoje, 18 instituições já têm políticas afirmativas
PEDRO SIMÕES Estagiário da Assessoria de Comunicação

Camila Martins/UnB Agência


Para Frei David, a sociedade deve decidir que futuro quer para os negros A Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira instituição federal de ensino superior a adotar o sistema de cotas para negros, no segundo vestibular de 2004. Na segunda edição do seminário A Justiça e a Promoção da Igualdade Racial, realizado no dia 24 de novembro pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pela própria UnB, foi possível discutir os primeiros efeitos dessa política e o que ainda pode ser feito. Participante da mesa-redonda A incorporação de novos atores no ensino superior, o diretor-executivo da Organização Não Governamental Educação e Cidadania de Afrodescendentes (ONG Educafro), Frei David Santos, foi enfático: “é hora da sociedade brasileira escolher onde quer seus jovens negros: na universidade ou nas prisões”.
Para os que tinham dúvidas sobre a necessidade das políticas afirmativas, os debatedores trouxeram dados incômodos: embora 88% dos alunos que concluem o ensino médio são estudantes de escolas públicas, nas universidades há predomínio de alunos de escolas particulares. Esses são 75% do total de universitários, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Frei David acrescenta que em algumas universidades menos de 1% dos docentes é afrodescendente. Cerca de 98% dos jovens negros não têm acesso ao ensino superior.
Camila Martins/UnB Agência


Mulholland falou sobre a experiência inédita da UnB em adotar as cotas

CORAGEM – A implementação das cotas na UnB foi aprovada em uma histórica sessão do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da universidade em junho de 2003 e causou polêmica, em particular pela decisão de criar uma comissão para homologar os alunos aprovados pelas cotas e evitar fraudes. “O mais importante da nossa iniciativa foi sacudir o país, trazer o assunto à pauta”, diz o reitor da UnB, professor Timothy Mulholland. Hoje, 18 universidades no país adotam algum tipo de política afirmativa. Mulholland destacou ainda a necessidade de criar maneiras para manter o aluno na universidade, como as bolsas de permanência, alimentação e livros que a UnB oferece. Atualmente, 949 alunos cotistas estão matriculados na universidade da capital.
A Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares (Unipalmares), uma universidade composta, gerida e administrada por negros, leva a idéia um passo adiante. Na Unipalmares, que está prestes a promover seu terceiro vestibular, mais da metade do seu quadro docente e 87% do discente são negros. “É uma guerra de trincheiras, uma guerrilha. Mas as pequenas conquistas do dia-a-dia já podem ser vistas como uma tendência, uma perspectiva para o futuro”, afirma o reitor, José Vicente. Com aproximadamente 1,2 mil alunos, a Unipalmares é a maior concentração de negros em uma única instituição de ensino da América latina.
Camila Martins/UnB Agência


Vicente, reitor da Unipalmares, onde 87% dos alunos são negros

As políticas afirmativas – questionadas diversas vezes quanto a sua legalidade – não teriam se tornado realidade sem o apoio do Poder Judiciário, que hospedou o seminário. Para o vice-presidente do Instituto da Integração Nacional dos Juízes de Paz do Brasil, José Cordeiro da Silva, “o momento exige inclusão social, e não se faz inclusão deixando um contingente tão grande como a população negra de fora”. Já a coordenadora do programa Políticas da Cor na Educação Brasileira, Raquel Cézar, frisou que o mundo precisa de paz. E acrescenta: “A paz é filha da justiça e neta da igualdade”.



REFLEXÕES SOBRE AS COTAS
Rendimento – o desempenho acadêmico dos cotistas não deixa nada a desejar aos alunos tradicionais. Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), 49% dos cotistas foram aprovados em todas as disciplinas, contra 47% dos alunos tradicionais. Na UnB, no segundo vestibular de 2005, a nota do último classificado no sistema de cotas foi 7,4. No sistema universal, foi 7,5.
Legalidade – a crítica mais comum aos princípios legais das cotas é que elas constituem um privilégio. Entretanto, a Constituição permite ações afirmativas, desde que haja um histórico de discriminação dos beneficiados. A população negra, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), tem índices socioeconômicos piores do que os da população branca, em todas as faixas de renda.
Quem é negro? – A UnB possui uma comissão responsável por avaliar os pedidos de inscrições e as fotos tiradas no momento da inscrição. O critério é um conjunto de características físicas que identifiquem o candidato como negro. O sistema busca evitar fraudes, que chegaram a 40% em alguns casos em outras instituições de ensino.
CM/UnB Agência
“O mundo precisa de paz. E a paz é filha da justiça e neta da igualdade”Raquel CezarCoordenadora do programa Políticas da Cor na Educação Brasileira

VEJA TAMBÉM
Coletâneas

Debate sobre as relações raciais

Todos os textos e fotos podem ser utilizados e reproduzidos desde que a fonte seja citada. Textos: UnB Agência. Fotos: nome do fotógrafo/UnB Agência.

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