quarta-feira, 2 de abril de 2008

ABU DABHI : Diplomacia.




DIPLOMACIA




[02/04/2008 - 07:00]
Encontro internacional do Judiciário dilui preconceitos

Essa é a opinião da presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, que em entrevista exclusiva à ANBA falou sobre sua participação na conferência de Supremas Cortes que reuniu representantes de 32 países em Abu Dhabi. Para ela ficou claro que diferentes sistemas legais podem conviver de forma harmoniosa.

Divulgação

Ellen Gracie: intercâmbio entre magistrados torna relações menos burocráticas
Alexandre Rocha
alexandre.rocha@anba.com.br

São Paulo – O Poder Judiciário não pode ficar de fora da globalização. Nesse sentido foi realizada no início da semana passada uma conferência internacional de presidentes de Supremas Cortes em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, com o objetivo de debater os desafios da Justiça no século 21 e seu papel no diálogo entre as culturas. “A reunião serviu para diluir preconceitos e proporcionou uma melhor compreensão entre culturas”, disse em entrevista exclusiva à ANBA a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie Northfleet, que participou do encontro.

Um dos temas debatidos foi a Sharia Islâmica, sistema legal aplicado em países muçulmanos, e sua interação com outros ordenamentos jurídicos. “É um sistema de base religiosa que pode conviver de maneira harmoniosa com outros e, como eles, evoluir e se modificar”, afirmou a ministra, acrescentando que as relações cada vez mais intensas entre povos diferentes exigem do juiz um maior conhecimento de sistemas legais distintos, para que ele possa atuar na resolução de conflitos que envolvem questões internacionais.

A delegação brasileira, formada pela ministra e pelos secretários-gerais da Presidência do STF, Manoel Lauro Volkmer de Castilho, e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Sérgio Tejada, apresentou experiências positivas da Justiça brasileira, como a organização das eleições e como são solucionados conflitos de competência entre as diferentes esferas do Poder. “Gostaram muito da nossa participação e o Brasil é muito bem visto até para intermediar dificuldades, pois nos damos bem como todo mundo”, declarou Ellen.

A troca de experiências não ocorreu apenas com representantes do mundo árabe, pois o encontro reuniu magistrados de 32 países. Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida pela ministra:

ANBA - Como foi a conferência em Abu Dhabi?

Ellen Gracie - Foi um encontro sui generis, o primeiro dessa ordem de grandeza, e teve um significado extremamente importante. Foi muito bom que um país muçulmano tenha realizado o evento. Estavam presentes 32 países representados por presidentes de Cortes Supremas, que fizeram um debate profícuo. A reunião foi intensa e com muita repercussão. Ela promoveu uma melhor compreensão do que se passa no momento e serviu para diluir preconceitos, pois proporcionou uma melhor compreensão entre culturas, entre povos e até do comércio.

Houve também uma deferência à delegação do Brasil, nos convidaram para a leitura da declaração final. Gostaram muito da nossa participação e o país é bem visto, pois tem um bom posicionamento no cenário mundial e uma sociedade miscigenada. Nós nos damos bem com todo mundo e somos até bem vistos para intermediar dificuldades.

Quais foram os principais temas debatidos?

O mote inicial, uma vez que os Emirados são uma federação e uma nação jovem, foi a questão federativa, a existência de duas ordens judiciárias: a local e a federal. Foi importante levar experiências de como se resolvem os conflitos de competência entre essas esferas. Países como o Brasil, Estados Unidos, Alemanha, México e Rússia têm esse tipo de Judiciário e levaram os seus depoimentos. Foram abordados também os desafios para o Judiciário no século 21: quais serão os litígios daqui para frente e como se preparar para eles.

O último capítulo foi sobre a Sharia Islâmica, caracterizada como um sistema legal, não só como algo que sofre preconceitos, mas que rege contratos, direito de família, etc., e é um sistema de base religiosa que pode conviver de maneira harmoniosa com outros e, como eles, evoluir e se modificar. Uma das grandes questões hoje é a migração de muçulmanos para a Europa e as dificuldades que isso traz. Da mesma maneira existem populações não muçulmanas em países muçulmanos. E existem muitas diferenças também entre os países árabes, alguns são mais ocidentalizados e outros mais tradicionais.

Os Emirados estão assumindo uma liderança como ponte de ligação com o Ocidente e deixaram clara a possibilidade de construir interações entre os sistemas, para fugir do preconceito e buscar identificações entre esses sistemas.

Em linhas gerais, o que diz a declaração final do encontro?

Ela revela esse fato, de que o Judiciário precisa se atualizar para enfrentar os desafios do século 21. Alguns países são excessivamente judicializados, como o Brasil, outros estão buscando modos alternativos de resolução de conflitos. Fala também da convivência harmoniosa entre uma legislação de base religiosa e uma legislação civil.

O que a senhora apresentou lá?

Falei sobre coisas que o Brasil realiza muito bem. Como, apesar de ter uma extensão territorial imensa e uma população grande e muito litigiosa, o Judiciário brasileiro tem dado vazão à maior parte dos problemas. Disse também que no Brasil a Justiça é responsável pelas eleições, que não é necessário um órgão específico para isso. Levei também a questão de como nós solucionamos conflitos de competência, quais são as normas que prevalecem.

E quais experiências a senhora conheceu lá podem ser interessantes para o Brasil?

Gostei muito do depoimento da Austrália sobre resolução de conflitos por arbitragem, mediação e conciliação.

Foi fechado algum convênio com outro país?

Nós temos um convênio com o Marrocos na área judiciária e o presidente da Corte Suprema, Dirss Dahak estava lá. Podemos estender esse tipo de acordo para outros países, para que possam mandar seus juízes ao Brasil e, da mesma forma, nós mandarmos os nossos. É o que chamamos de “diplomacia judicial”. Existe a necessidade de troca de experiências entre os Judiciários, porque eles cada vez mais serão chamados para resolver questões internacionais. É preciso ter um maior conhecimento de quem são as pessoas do outro lado, para que as coisas fiquem mais fáceis. Isso fica claro quando temos que decidir questões sobre extradições ou fazer cumprir decisões internacionais importantes. Esse intercâmbio torna os laços mais próximos e menos burocráticos.

A senhora vai deixar a presidência do STF no final do mês. Tem algum plano pessoal?

Vou voltar para a posição que tinha anteriormente. Vou assumir o gabinete do ministro Gilmar Mendes (futuro presidente do tribunal) e os processos dele.

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