E os empresários de ônibus?
Um ator foi praticamente esquecido nos protestos das últimas semanas: o empresário de ônibus. E não é preciso um esforço muito grande para perceber que o atual modelo redistribui renda a favor dos empresários. Os prefeitos, ao que parece, estão dispostos a assumir todo o ônus da redução, ou no máximo compartilhá-lo com outras esferas da administração pública, mas jamais com os empresários. Por Victor Leonardo de Araújo, da UFF
Victor Leonardo de Araújo
Nos protestos que tomaram conta do país nos últimos dias, um ator foi praticamente esquecido: o empresário de ônibus. Entre os prefeitos que anunciaram redução da tarifa – ou melhor, o retorno da tarifa ao preço vigente antes dos aumentos – um elemento era comum ao discurso de todos: a passagem mais barata para o usuário é custeada pelo poder público na forma de subsídio às empresas, e por isso a alocação de maiores recursos nesses subsídios necessariamente implicará em corte de outras despesas – provavelmente os investimentos, que constitui a parte dos orçamentos de maior discricionariedade. A outra alternativa seria a criação de impostos ou contribuições adicionais, descartada devido à dificuldade política que propostas desta natureza embutem, neste momento delicado. A agenda foi permeada pelos debates a respeito da inexistência de uma política de transportes públicos, e na baixa qualidade do serviço ofertado à população. É evidente que a enorme insatisfação enseja um debate maior a respeito da ocupação do espaço urbano e na busca por soluções duradouras. Mas curiosamente, a solução para a demanda mais imediata, que foi a revogação do aumento da tarifa, foi encaminhada sem chamar à mesa o empresário de ônibus. Este ator ficou esquecido, como se não fosse ele o provedor do principal serviço de transporte coletivo urbano.
Até a tarde de sexta-feira, dia 21/06, a página principal da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) não registrava qualquer nota a respeito dos protestos ocorridos, como se nenhuma relação tivesse com os protestos. A mesma omissão observava-se na página do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo.
Quando se assume a priori que tarifas menores implicam subsídios maiores e cortes em outras modalidades de gastos, assume-se como dada a margem de lucro do empresário de ônibus, algo em que não se pode mexer. A revogação do aumento de passagem não acarretou nenhum ônus ao empresário de ônibus. O ônus recai inteiramente sobre as finanças públicas – e à população, que, na lógica perversa já assumida pelos prefeitos, terá que aceitar que menos recursos públicos sejam alocados em outros serviços essenciais.
Não é preciso um esforço muito grande para perceber que o atual modelo redistribui renda a favor dos empresários. O sistema tributário já é regressivo, porque a estrutura tributária é preponderantemente concentrada em impostos que recaem sobre a produção e o consumo, em vez de recaírem sobre a propriedade. Para as finanças públicas municipais, o quadro é ainda mais perverso, porque os municípios têm pouca capacidade de tributar a propriedade. Em suma, apenas uma parte muito pequena do custo do subsídio recai sobre os mais ricos – os que têm maior capacidade de pagamento e que utilizam-se de veículos particulares em seu transporte, e que por isso teriam de arcar com o maior custo. E o que é pior: a manutenção da margem de lucro do empresário de ônibus, mesmo depois de um momento de forte turbulência social, revela o enorme poder que este segmento possui. Os prefeitos, ao que parece, estão dispostos a assumir todo o ônus da redução, ou no máximo compartilhá-lo com outras esferas da administração pública, mas jamais com os empresários.
O quadro fica ainda mais grave quando se tem em conta que, de janeiro de 2000 a maio de 2013, o preços dos transportes urbanos subiram sistematicamente acima da inflação média. Os dados são os seguintes: a inflação acumulada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no período mencionado foi de 133%; o sub-item ônibus urbano subiu 197%, e ônibus intermunicipal subiu 193%. Em 9 de 13 anos o sub-item ônibus urbano subiu mais que a média do IPCA, e desde 2006 sobe mais que o sub-item óleo diesel – salvo, curiosamente, os anos em que ocorrem eleições municipais, como em 2008 e 2012. Como a estrutura salarial dos motoristas, cobradores e fiscais aproxima-se das faixas salariais mais baixas – oscilando em torno de 1 a 3 salários mínimos – não é difícil inferir que o setor opera com margens elevadas.
Entretanto, as conclusões precisas somente serão feitas se as famigeradas planilhas de custos do setor (perdoem-me pelo lugar-comum) forem abertas e expostas à sociedade depois de devidamente investigadas em comissões parlamentares de inquérito e auditorias externas.
* Professor da Faculdade de Economia da UFF. E-mail: victor_araujo@terra.com.br
Até a tarde de sexta-feira, dia 21/06, a página principal da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) não registrava qualquer nota a respeito dos protestos ocorridos, como se nenhuma relação tivesse com os protestos. A mesma omissão observava-se na página do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo.
Quando se assume a priori que tarifas menores implicam subsídios maiores e cortes em outras modalidades de gastos, assume-se como dada a margem de lucro do empresário de ônibus, algo em que não se pode mexer. A revogação do aumento de passagem não acarretou nenhum ônus ao empresário de ônibus. O ônus recai inteiramente sobre as finanças públicas – e à população, que, na lógica perversa já assumida pelos prefeitos, terá que aceitar que menos recursos públicos sejam alocados em outros serviços essenciais.
Não é preciso um esforço muito grande para perceber que o atual modelo redistribui renda a favor dos empresários. O sistema tributário já é regressivo, porque a estrutura tributária é preponderantemente concentrada em impostos que recaem sobre a produção e o consumo, em vez de recaírem sobre a propriedade. Para as finanças públicas municipais, o quadro é ainda mais perverso, porque os municípios têm pouca capacidade de tributar a propriedade. Em suma, apenas uma parte muito pequena do custo do subsídio recai sobre os mais ricos – os que têm maior capacidade de pagamento e que utilizam-se de veículos particulares em seu transporte, e que por isso teriam de arcar com o maior custo. E o que é pior: a manutenção da margem de lucro do empresário de ônibus, mesmo depois de um momento de forte turbulência social, revela o enorme poder que este segmento possui. Os prefeitos, ao que parece, estão dispostos a assumir todo o ônus da redução, ou no máximo compartilhá-lo com outras esferas da administração pública, mas jamais com os empresários.
O quadro fica ainda mais grave quando se tem em conta que, de janeiro de 2000 a maio de 2013, o preços dos transportes urbanos subiram sistematicamente acima da inflação média. Os dados são os seguintes: a inflação acumulada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no período mencionado foi de 133%; o sub-item ônibus urbano subiu 197%, e ônibus intermunicipal subiu 193%. Em 9 de 13 anos o sub-item ônibus urbano subiu mais que a média do IPCA, e desde 2006 sobe mais que o sub-item óleo diesel – salvo, curiosamente, os anos em que ocorrem eleições municipais, como em 2008 e 2012. Como a estrutura salarial dos motoristas, cobradores e fiscais aproxima-se das faixas salariais mais baixas – oscilando em torno de 1 a 3 salários mínimos – não é difícil inferir que o setor opera com margens elevadas.
Entretanto, as conclusões precisas somente serão feitas se as famigeradas planilhas de custos do setor (perdoem-me pelo lugar-comum) forem abertas e expostas à sociedade depois de devidamente investigadas em comissões parlamentares de inquérito e auditorias externas.
* Professor da Faculdade de Economia da UFF. E-mail: victor_araujo@terra.com.br
Fotos: EBC
Nenhum comentário:
Postar um comentário